02 julho 2012

A Favela como Paisagem

@Walter Mesquita




Texto e curadoria feitos para a exposição Viva Favela 10 anos | Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, RJ, 2011

“Paisagem, como parergon ou como Argumento, é território mediado; é território que foi esteticamente processado. É o território que por si mesmo se organizou, ou que foi organizado pelo olhar artístico, de forma que está pronto para posar para seu portrait.”*
A palavra alemã Landschaft, antes de adquirir uma forte conotação estética em função da pintura, possuía em sua origem um sentido mais geográfico, topográfico ou territorial: paisagem dizia respeito à patria, à região de pertencimento. Mais tarde, a paisagem passou a ser concebida como a forma como a natureza se faz ver como imagem, uma representação, portanto, de ordem estética e produto da cultura. Do outro lado da imagem da paisagem estava o espectador, definidor do ponto de vista, e elemento invisível desta equação. 

Artistas de todos os tempos levaram essa investigação sobre as relações entre arte e natureza às últimas consequências, com destaque para os artistas da landart (ou arte do território), que, voltando-se para os vazios territoriais – desertos, terrenos baldios, construções abandonadas, interstícios entre cidades – mostraram toda a potência criadora contida no silêncio, e no é aparentemente desprovido de função.

A Spiral Jetty de Robert Smithson – um dos expoentes desse movimento –, feita no final dos anos 1960 sobre a superfície do Grande Lago Salgado do Estado de Utah, nos Estados Unidos, não foi uma obra sobre a paisagem encontrada, e sim uma paisagem percebida como obra em si. Assim, também podemos pensar na favela como a paisagem privilegiada que desafia artistas, pensadores e criadores dos nosso tempos. O silêncio não está mais em jogo, mas persiste a necessidade de se dar forma ao invisível que é sufocado pelo excesso de visibilidade de um discurso externo focado na negatividade e na violência.

A favela, tecido feito de uma complexa trama de seres, relações e formas alternativas e por vezes precárias de habitar, criar e sonhar, constituiu, nesta última década, a matéria de investigação do projeto Viva Favela, pioneiro na ressignificação da imagem saturada de clichês e na construção da imagem diversificada que hoje podemos testemunhar: uma paisagem em constante mutação.

Para Manoel de Barros, o poeta das inutilezas, “todos os elementos são matéria de poesia, mas para mim o ser humano é a grande matéria para poesia.” Ainda que o resultado desta exposição espelhe a qualidade da formação do olhar estético e informativo de cada fotógrafo do Viva Favela, é por trás das imagens que repousa a verdadeira revolução silenciosa que este projeto propiciou: cada fotógrafo do Viva Favela tornou-se um poeta que pode  “refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto”. E não há nada que possa demonstrar a real dimensão do milagre de um ser livre e um olhar liberto.



* Andrews, Malcolm. Landscape and Western Art. Oxford: Oxford University Press, 1999, p.7, citado por Lígia Saramago em A Arte e a (re)criação da paisagem, revista Noz, n.3, 2009.

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