02 julho 2012

Imagens Posteriores, por João Wesley



Imagens Posteriores

A indução pretendida pela legenda acima, no caso específico das imagens de Patricia Gouvêa, faz mais do que se justificar, é uma afirmação procedente. A conquista de uma manifestação visual, que se viabiliza através da introdução das recentes inovações tecnológicas(1), constitui-se no norte poético desta artista. Patricia faz da fotografia o seu meio de apreensão de sentidos, do aparelho-câmera o elemento de intermediação imprecisa com o real, e do computador o seu mecanismo de diluição de referências.

Poderíamos em uma primeira abordagem sobre estas imagens sermos levados a entender que, ultimamente, a introdução em larga escala de recursos fotocomputadorizados no campo das configurações planares acabaria nos suscitando um retorno às questões da arte que antecederam ao conhecido período moderno. O aumento significativo da participação de imagens fotográficas nas atuais mostras de artes visuais, faz com que pensemos em um certo retorno à questão da representação. Uma proliferação de referências ligadas ao mundo, a verdade da película em negativo contida no mecanismo fotográfico e suas possíveis transmutações no ambiente digitalizado, quando orientadas para a intenção de fidelidade de uma imagem, terminam enfatizando uma noção de reflorescimento acadêmico. Porém nas obras de Patricia Gouvêa, esta constatação não é válida. Suas imagens, apesar de ainda possuirem uma conexão indicial com o motivo fotografado, são transubstanciadas na imperfeição técnica (má fotografia) e também quando interagem com o ambiente cibernético, tornando-se outra coisa, que não é mais o motivo primeiro submetido ao "clic".

Sua imagem é exatamente fresca, não é mais real, mas sim uma aparição. Algo acrescido não pela experiência da contemplação, mas reinventado pela interferência estetizante a posteriori, daí “posterior” à experiência que o ato fotográfico permite. Para isto, também concorre a submissão à “eterna grade”, atualmente travestida em seqüências de zeros e uns, uma gramática exclusiva deste novo sistema de códigos.

Além do abandono da precisão(2), comum ao meio eleito, é patente nas imagens de Patricia Gouvêa uma outra estratégia organizada pela artista para explicitar a interface entre as sensações de estaticidade e dinâmica. Se pensarmos o instantâneo como segmentação fixadora de um fragmento do continuum, a introdução da imagem fotográfica no ambiente videográfico acontece como via de escape para a idéia de inércia e de morte(3), implícita no instantâneo. Enfim, Patricia propõe um conjunto de visualidades e recursos que transitam entre dois meios expressivos distintos. Este é um álibi, um subterfúgio aplicado para afirmar que a esperança ainda é um alento possível, que cada segundo de vida que pulsa é afirmação do desejo de continuar existindo, ou seja, as “imagens posteriores” nos fazem lembrar que o amor ainda existe.

João Wesley / Junho de 2003

(1)......Se estas imagens podem ser ditas ou referidas por alguma coisa, seriam para milhões de bits de informação eletrônica matematicamente acrescentadas. A visualidade seria situada em um terreno cibernético e eletromagnético onde os elementos visuais e abstratos e linguísticos coincidem e são consumidos, circulados e trocados globalmente. _Crary Jonathan. Techniques of the observer.

(2) ........”Os Milagres da Fotografia”.......a interface da escala massiva do primeiro plano, como delicado padrão do plano de fundo; o contraste na perspectiva; cor e forma; o preciso acabamento material, formando sutis momentos de movimento. _ Laurentiev, Alexander. Rodchenko Photografhy. Konemann, 1999

(3) A fotografia..............Ela designa a morte do referente, o passado retornado, um tempo efetuado e imóvel. ............ela indica que por debaixo a vida continua, que o tempo flui e que o objeto capta e ao mesmo tempo deixa escapar. ­_De Duve, Thierry. Essais Datés 1 - A pose e o instantâneo ou O paradoxo fotográfico.

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